Parecia um dia como qualquer outro...
Plantão noturno no Hospital Antônio Prudente: relativamente tranquilo...
Dia seguinte, sair do plantão e pegar a BR-116: nem tão tranquilo assim... Sono é inversamente proporcional ao bom humor.
Novo destino: Hospital Penal, onde já trabalho desde Dezembro de 2011, local aparentemente tranquilo, e é nesse ambiente que hoje discorro sobre nossa nova história.
Impressionante como o homem almeja o poder. E o homem necessita poder pisar usando o poder! Enfim, após esse trocadilho pouco feliz, esse é o cotidiano no hospital penal onde trabalho como médico clínico plantonista e lá atendo presos doentes internados. Exatamente isso, sou médico de presos ou internos, conforme o leitor preferir. Claro que surgem consultas de funcionários, até exageram o fato de ter médico disponível, porém meu papel único e principal é atender os pacientes presidiários.
E no hospital penal funciona da seguinte forma: o preso chega com sintomas, geralmente encaminhado de sua penitenciária de origem ou delegacia, o mesmo (agora paciente) é admitido com os mais variados problemas: desde um grau de subnutrição (encontrado na maioria dos casos até tuberculose ou até mesmo câncer, além de traumas em geral).
Bom, na verdade a minha ideia nesse contexto é introduzir as diversas histórias que já vivenciei nesse ambiente, dessa forma revivencio o momento de forma autorreflexiva! Nossa história de hoje receberá o título de "O que é uma bala na cabeça quando se leva uma surra?"
Paciente chegou no fim do meu plantão no hospital penal quando percebi sua hemiface esquerda inchada (edemaciada) sugestivo de trauma e achava inclusive que esse trauma era o motivo do atendimento médico-hospitalar, mas não era, pois na verdade esse paciente foi vítima há 6 meses de perfuração por projétil de arma de fogo, e a cabeça foi o local atingido. Paciente sobreviveu e na verdade sua queixa era uma dor de cabeça forte, porém numa situação de descontrole, o preso xingou um dos agentes em sua penitenciária, então prontamente a resposta ao xingamento foi uma surra...
Enfim, o que estava em jogo na consulta era a surra e não mais a perfuração por bala de 6 meses atrás. Baixei a cabeça, indignado por tamanha perversidade com alguém que, cometeu seu crime, está pagando, porém a impressão que passa é que só isso não basta, é preciso ser humilhado, ser espancado, sofrer o dia a dia de cada vez, como um inferno ainda em vida.
O que me importa é ter a possibilidade real de levar a saúde às pessoas, porém nesse trabalho onde é travado o eterno conflito Agentes Penitenciários versus Presidiários o profissional de saúde muitas vezes rema contra a maré, e nada mais estou fazendo que justificar minha formação de cuidar de seres humanos, assim gritei em alto e bom no tal juramento de Hipocrates.
Esse crime praticado contra alguém já detido e indefeso chama-se tortura e seria um exemplo clássico de covardia, beirando o patológico!
Enfim, o preso foi admitido, realmente precisava ser internado após tamanho exemplo de autoridade por parte da polícia ao traumatizar o rosto do rapaz.
E o guarda que o espancou? Provavelmente já não foi a primeira nem a última vez que bateu em alguém, então na verdade ele está mais como vítima, por ter aflorado sua agressividade como reflexo de um sistema carcerário falido, efeito feedback positivo: quanto mais o preso provoca, mais a polícia bate. E isso, lamentavemente, não é novidade para ninguém, na verdade trata-se de apenas uma constatação.
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