segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Hino do Elefante

Geralmente começo a escrever sem saber exatamente sobre que assunto vou discorrer. Deve ser por isso que as últimas palavras que adiciono a um texto é o título, geralmente.

Estou há poucos dias de Recife, pois um estágio de Nefrologia no Hospital das Clínicas da UFPE me espera. Estágio esse difícil de conseguir, porém com persistência e estratégia se consegue tudo ou quase tudo. É óbvio que o mês do estágio ser justamente fevereiro não é mera coincidência, pois temos a festa mais esperada por um pernambucano e milhares de brasileiros: o carnaval! Tudo bem, temos carnaval em Salvador (o bom baiano também não perde), no Rio de Janeiro (o típico carioca também não perde), mas acontece que o carnaval de Olinda-Recife eu também não perco, enfim sou cearense e admito em alto e bom som que o carnaval do meu estado é dispensável, pois desconsidero os carnavais de praia e suas disputas de paredões de som e a tentativa sempre frustrante de Fortaleza tentar imitar o Carnaval de Sapucaí (RJ). Os carnavais que mais me senti à vontade no Ceará foi de 2001 à 2006 quando frequentei assiduamente o Festival de Jazz e Blues em Guaramiranga (Maciço de Baturité), mas esse evento era uma fuga do carnaval. Em 2007 em diante migrei do pacífico e anti-carnavalesco Festival de Jazz e Blues para um dos maiores carnavais populares do Brasil: Olinda-Recife. E não penso em deixar de ir tão cedo, a partir do livre arbítrio, pois Olinda tem a fórmula que pedi em um carnaval: cores excessivas, alegria, overdose de cultura, pessoas especiais (amigos, artistas...), música de qualidade e Olinda! E de bônus existem os shows gratuitos à noite em Recife Antigo, um berço da cultura nordestina. A minha idéia inicial não era fazer merchandising do carnaval de Pernambuco, por isso vou desviar o foco um pouco, sem fugir do tema, senão zero a redação!

Antes eu via o carnaval com certa angústia, pois o país parava, nada funcionava, apenas farra, lixo, zoada, farra, lixo, mais zoada... Hoje eu encaro como um mal necessário, como Chico Buarque poeticamente interpreta em uma de suas magníficas letras:

"Quem me vê sempre parado, distante garante que eu não sei sambar

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando e não posso falar

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não posso pegar

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Há quanto tempo desejo seu beijo molhado de maracujá

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando que eu vou aturar

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"

(Chico Buarque)

Além do Chico, o ladrão (que lucra mais mais no carnaval, inclusive de mim), a puta (que também lucra mais e se iguala a qualquer patricinha no carnaval), o político (que aprova mais leis a seu favor e não tem o povo pra encher o saco, já que o povo estará embriagado ou de ressaca), o gringo (que vem para o Brasil e encontra as mulheres embriagadas e "solícitas"), o pastor (que acredita que no carnaval o satanás está dominando e prega fervorosamente no carnaval crendo que ele, o pastor, será um dos poucos a ser salvo), todos esses estão se guardando para o carnaval chegar. Até a família que deseja descansar no carnaval, usa o carnaval como feriadão e une a família em locais que ainda tem paz no carnaval (acreditem, carnavalescos de plantão, esses locais existem!)

E eu também estou me guardando, já que o carnaval nada mais é que uma válvula de escape, onde ainda é possível uma festa democrática de graça e multicultural. Assim é Olinda, amém!

"Se a única coisa que de o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano" (Graciliano Ramos)

"Olinda! Quero cantar a ti esta canção

Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar

Faz vibrar meu coração, de amor a sonhar

Em Olinda sem igual

Salve o teu Carnaval!"

(Hino do Elefante)

Obs.: agora posso criar o título do texto!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Que Rei sou eu?!

Um dia me disseram: "Davi, o Rei que matou o gigante Golias!"

Quando criança, quase pré-adolescente, assistia às aulas de orientação cristã e a história do Rei Davi sempre era uma das mais pedidas, inclusive por mim. Achava interessante a história do caquético sem armadura (Davi) que derrubava um gigante (Golias) com uma pedra na testa. Eu ficava pensando: "Poxa, isso é que eu chamo de pedrada!". E após a queda de Golias ao chão, Davi arranca-lhe a cabeça com sua espada. Épico, não?

Mas os anos se passaram, as aulas de história foram ficando mais interessantes, professores mais críticos e que questionavam tudo, inclusive a Bíblia. Então na verdade Davi foi colocado como um líder de um exército despreparado e sem armas (os israelitas), porém com fé, e Golias representava o exército megalomaníaco e poderoso dos Filisteus. O provável e esperado seria o fraco exército de Davi ser massacrado e virar somente cinzas, porém os Filisteus perderam a batalha, ou na visão metafórica bíblica, o gigante e temido Golias (que talvez nunca tenha existido) foi acertado com uma pedra na testa e caiu. A pedra simboliza a suposta vulnerabilidade do exército de Israel que deviam usar pedras durante a batalha devido a falta de armas. Interessante porque hoje os palestinos estão na mesma situação de Israel na época da invasão dos Filisteus. Hoje os israelenses são os poderosos e temidos Filisteus e o esperado e o provável está acontecendo: os palestinos e seus Davis árabes estão perdendo a batalha. Essa história não iria para a Bíblia, pois a corda romper do lado mais fraco não traz lição nem moral nenhuma.

Por que tudo isso? Talvez por que meu nome é David (com "d" no final mesmo), mas nunca liderei um exército nem mesmo os fracos soldados de Davi e nunca briguei com um gigante. Mas é inevitável tentar achar um paralelo, ainda utilizando o recurso de linguagem metáfora.

Na saúde pública nós temos: má gestão administrativa, profissionais mal remunerados ou desestimulados, pacientes que sobrevivem com uma estrutura muitas vezes sucateada e fora dos padrões de higiene que são recomendadas . Além disso temos a corrupção, a verba mal distribuída na saúde e profissionais mal treinados, mal qualificados e sem ética. Acho que juntando essas mazelas daria um exército de Filisteus com louvor.

Eu estou do outro lado, o mais fraco, remando contra a maré. Mas não estou só, amém! E a própria saúde pública tem seus avanços e saltos, senão meu discurso seria demagogo e hipócrita. Então manter o que está bom e tentar mudar o que não está bom é o ideal. Mas acertar uma pedra na testa de um gigante e faze-lo perder a consciência não é fácil, além do que eu sou péssimo de pontaria.

Um dos Salmos de Davi diz o seguinte (Livro IV, Salmo 101):

"Cantarei a bondade e a justiça;

a ti, Senhor, cantarei.

Atentarei sabiamente

ao caminho da perfeição.

Oh! Quando virás ter comigo?

Portas a dentro, em minha casa,

terei coração sincero.

Não porei coisa injusta

diante dos meus olhos;

aborreço o proceder dos que se desviam;

nada disto se me pegará.

Longe de mim o coração perverso;

não quero conhecer o mal.

Ao que às ocultas calunia o próximo,

a esse destruirei;

o que tem olhar altivo e coração soberbo,

não o suportarei.

Os meus olhos procurarão

os fiéis da terra,

para que habitem comigo;

o que anda em reto caminho,

esse me servirá.

Não há de ficar em minha casa

o que usa de fraude;

o que profere mentiras não permanecerá

ante os meus olhos.

Manhã após manhã, destruirei

todos os ímpios da terra,

para limpar a cidade do Senhor

dos que praticam a iniquidade."

Acima temos uma declaração dos padrões éticos regidos na época pelo Rei Davi. Hoje esse texto perdeu seu valor, pois a ética é vista como disciplina, e não é mais uma escolha. E para finalizar, fazendo menção ao Dom Quixote (o Rei Davi de Miguel de Cervantes), cito um refrão que sintetiza a ideologia quixotiana:

"Tudo bem, até pode ser que os Dragões sejam Moinhos de Vento. Tudo bem, seja o que for, mas que seja por amor às causas perdidas" (Engenheiros do Hawaii)

Fica a reflexão: Davi foi rei porque foi usado por Deus (e temeu a Ele) ou porque lutou pela boa ética?

Enfim, meu filho não se chamará Salomão, não sou caquético e meu alvo é péssimo, além do que acho que sempre há alguma saída melhor que acertar uma pedra na testa de alguém.

Mas Davi é o nome do homem mais citado na Bíblia, isso é relevante e deve ser divulgado, pois seus ensinamentos são magníficos. O meu nome ser o mesmo dele é mera coincidência e me serviu de pretexto para eu escrever esse texto. Amém.